Lucius

É preciso muito mais do que um guitarrista disposto e bem intencionado para se fazer rock’n’roll.

Papai falava de Lucius com solenidade, como se estivesse se referindo á alguma divindade. É preciso mais do que devoação para se criar um mito.

Lucius era um escravo alforriado, negro como poucos negros de hoje conseguem ser. Era forte, imponente e ao mesmo tempo, um homem dócil. Muito dócil. Segundo consta, era o melhor pugilista daqueles pagos. Segundo dizem, ninguém podia com seus jabs. Seu gancho era sinônimo de nocaute. Papai cresceu com Lucius. Na verdade, Lucius nem chegou a ser escravo. Seu pai fora, ele nasceu homem livre – mas isso descobri depois, e não através do pai, que parecia deliberadamente criar um mito. Lucius foi primeiro de uma linhagem de homens livres.

Lucius ganhou alguns trocados ao longo da vida em brigas de rua. Ele era o melhor. Papai dizia que o viu enfrentar todos os homens desta província, homens de províncias vizinhas e até de outros países sem nunca levar um golpe. Eu ouvia essas histórias com devoção, e para mim, que ouvia essas histórias desde criança, a imagem do herói era a de um homem negro.

Quando papai disse que Lucius estava a caminho da cidade para revê-lo, pensei que seria o momento mais importante de minha vida, afinal, ouvira as histórias do herói com devoção a infância toda, e agora, finalmente, teria a chance de conhecer meu herói.

Eu passava os dias a imaginar o encontro, papai, Lucius e eu, a matear e relembrar velhas brigas. Batalhas intermináveis, nocautes e momentos de glória.

Lucius havia abandonado a cidade anos antes, papai dizia que ele estava  cansado de ser procurado apenas para confrontos, de modo que ele foi para muito longe, local onde sua fama ainda não havia chegado.

Quando encontrei Lucius não vi nenhum herói. Era apenas um velho cansado com roupas surradas, não havia nenhum heroísmo naquele homem. Era apenas um homem cansado ao fim da vida, conversando trivialidades com um velho amigo. As histórias não encontravam porto naquela figura. O herói e sua decadência. O orgulho de batalhas distantes já não significavam muita coisa para aquele homem, não o envaideciam mais. Sua vaidade, seus netos, de quem falava com orgulho.

O tempo não tem a mesma ação sobre todos, e Joey Vibora aparentemente não aceitara o fato de ter perdido alguns duelos no passado. Sabendo da visita de Lucius, armou a emboscada.

Dois tiros. Não matou o herói que o havia enfrentado décadas antes. Matou apenas um velho cansado, com roupas surradas e que sentia orgulho dos netos.

É preciso mais do que coragem para ser um homem de verdade. É preciso mais do que glórias para ser um herói.

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Vai parecer estranho a maioria dos leitores…mas o herói da crônica recebe este nome em homenagem ao Lucio, camisa 3 da seleção.

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